domingo, 2 de novembro de 2008

Os Esters e os sabores aromáticos

(este artigo está em construção)

Começarei por falar de dois assuntos evocados num artigo de outro de meus blogs, intitulado: O Pastis 51 do aniversariante e um perroquet bem doseado

  • Razão pela qual o Pastis muda de cor ao se lhe juntar água:
O anetole é um éster muito pouco solúvel em água. Porém, ele se dissolve facilmente em álcool (etanol). Numa mistura de água e álcool, o soluto anetole ir-se-á encontrar no seio da fase álcool na condição desta se encontrar em proporção razoável em relação à água (mais de 40%). Isto acontece no Pastis, que apresenta 45º de álcool. Enquanto o anetole se encontra dissolvido, o pastis apresenta a sua coloração âmbar característica. Logo que acrescentamos água ao pastis, a % de álcool diminui e o anetole é obrigado a se "desgarrar" do álcool indo para um meio onde ele é pouco solúvel, a água. Então só lhe resta agrupar-se em pequenas gotículas, causando o típico fenómeno das emulsões, provocando a difusão da luz e a consequente turbidez da mistura líquida. A bebida toma então esse aspecto turvo e esbranquiçado.

  • Percursor químico do PMA (para-metoxianfetamina)
A partir da estrutura do anetole, pode-se sintetizar com facilidade o PMA:




O PMA é um alucinogéno poderoso que foi também vendido como sendo "Ecstasy"

sábado, 19 de janeiro de 2008

Enzimas, metabolismo e ... gastronomia

Não se trata duma imagem do jogo do Packman, mas sim do modelo de encaixe induzido apresentado em 1958 por Daniel Koshland para ilustrar a actividade enzimática, ou seja o modo como actuam as enzimas. Mas afinal o que são enzimas?

São substâncias orgânicas que agem como catalisadoras de reacções químicas muito importantes nos organismos vivos. A catálise tem como resultado imediato, o aumento da velocidade das reacções químicas por abaixamento da energia de activação. Atenção: 1) as enzimas não são modificadas pelas reacções que catalisam; 2) as enzimas não deslocam a posição normal de um equilíbrio químico.

Como sabem, uma das cinco condições para que haja reacção eficaz entre duas espécies químicas orgânicas é que, para além do inevitável choque, esse choque se faça com energia suficiente. Havendo energia suficiente de cada molécula que choque, estão a ver que a energia total em jogo depende do número de choques havidos. E se a maior parte dos choques for eficaz, menor a energia total necessária. Para que haja maior eficácia, a frequência dos choques (ligado à probabilidade de uma espécie encontrar a outra) terá de ser optimizada. Isto consegue-se pelo aumento localizado da concentração das espécies reagentes e pela imobilização temporária de uma das espécies (para que a outra a encontre, choque com ela e troque matéria e energia, ou seja, reaja).

Façamos um paralelo com situações da vivência humana. Suponham que quando crianças, tivessem na vossa turma um matulão que abusasse de vós e que merecesse ser sovado. Porém, o indivíduo era ágil e rápido que mesmo que lhe atirassem coisas ele se esquivava. A melhor maneira seria encurralá-lo numa pequena sala da escola e que alguns de vós o agarrasse o tempo suficiente para que alguém lhe aplicasse o "correctivo".

Pois é, uma enzima tem em si uma espécie de "cova" chamada de "centro activo" (a sala confinada da escola) onde um dos reagentes, o "substrato" (o matulão abusador, sozinho ou com os outros agarrados) se anicha e fica com pouca mobilidade, podendo o outro reagente (os outros agarrados ou alguém próximo) interagir com facilidade. Vejam o esquema:
Convém agora elucidar que embora a grande maioria das enzimas sejam proteínas terciárias (as que são globulares e tenham reentrâncias activas), há poucos anos atrás se descobriram enzimas não proteicas, as ribozimas.

Sigam os links ( 1, 2, 3, 4) para obterem alguns documentos elucidativos, produzidos por alguns colegas Professores, de outras universidades.

As enzimas estão presentes em inúmeras (quase todas) reacções do metabolismo humano. Só em cada célula do nosso corpo poderemos encontrar cerca de 3000 enzimas diferentes. Sendo a actuação das enzimas, específica, é fácil imaginarmos o número de reacções diferentes e catalisadas que têm lugar no nosso organismo.

As actuações mais conhecidas das enzimas no corpo humano, estão ligadas ao processo de digestão dos alimentos. Talvez a primeira enzima que ouvimos falar seja a amilase (ou ptialina), pois ela se encontra na saliva e ataca o amido convertendo parte dele em maltose, um açúcar dissacarídeo . Basta seguir um descritivo credível do chamado sistema digestivo para nos apercebermos de diferentes intervenientes enzimáticos e de sua acção transformadora.

Agora, apetece-me falar-vos dum caso curioso da actuação de enzimas digestivos de outros animais, na obtenção de alimentos para o nosso consumo. Não é do fabrico de queijo (com o coalho do estômago da cabra), nem do mel (proveniente da transformação do néctar no interior das abelhas) nem tampouco da sopa de ninho de andorinha (feito com a saliva duma espécie asiática deste animal). Vou vos falar do Kopi Luwak, ou seja do café recolhido das fezes da civeta asiática das palmeiras.

Para conhecer esta história, faça um clique nesta imagem da civeta que defeca café e será dirigido para um artigo sobre este insólito caso. Depois regresse para ler sobre algumas considerações ligadas às enzimas envolvidas na obtenção e no sabor deste café considerado o melhor e o mais caro do mundo.

Como viram, o preço por quilo é enorme. Isto fez com que a principal companhia produtora deste café, mandasse certificar o café por uma autoridade externa: O Doutor Massimo Marcone, Professor Associado do Departamento de Ciências Alimentares da Universidade de Guelph no Canadá. Este cientista, tornou-se a autoridade mundial em matéria de Kopi Luwak, única pessoa qualificada para verificar a tal autenticidade. Massimo Marcone é autor do livro “Composition and properties of Indonesian palm civet coffee (Kopi Luwak) and Ethiopian civet coffee.”

Marcone, alega que os ácidos e as enzimas do estômago do Luwak (a civeta) digerem a polpa da cereja do café até aos grãos e acaba por provocar reacções de fermentação nos mesmos, contribuindo para o travo único desse café.

Para indagar se a passagem pelo sistema digestivo do animal é deveras responsável pela alegada diferença, a equipa de Marcone levou a cabo uma série de testes de comparação entre sementes de café de boa qualidade (café da Colômbia) e o Kopi Luwak. Verificaram que os enzimas do animal raspavam a superfície das sementes de café e acabavam por penetrar os mesmos. Através de técnicas de electroforese, puderam determinar que estas sementes tinham menor teor de proteínas que as ditas normais. Sabe-se que as proteínas do café são as principais responsáveis pelo seu aroma e que conferem o sabor amargo ao mesmo. Deste modo, Kopi Luwak se manifesta com um menor nível de sabor amargo que os demais cafés.

Ainda Marcone e sua equipa analisaram os componentes voláteis ( também responsáveis do sabor e aroma de um café) do Kopi Luwak e concluiram que eram significativamente diferentes dos do café colombiano.

Concluímos assim que reacções de fermentação catalisadas por enzimas específicas do trato intestinal dessa civeta asiática, resultam em menores teores de proteínas e diferentes componentes voláteis, afectando grandemente (para melhor) o sabor deste magnífico café.